O amigo pessoal e
o seu contrário, o amigo coletivo
Gregorio Duvivier
Categoria difere do colega ou do
conhecido, que curiosamente é como chamamos quem não conhecemos muito bem.
Você já deve ter ouvido a
expressão, em geral na negativa. "Conheço o fulano, mas não é meu amigo
pessoal." Gosto dessa categoria tão brasileira. Não consigo imaginar a
expressão em outras línguas. A busca por "personal friend" no Google
revela um serviço de aluguel de amigos. Curiosamente "amigo pessoal"
em inglês é amigo profissional.
No Brasil, a categoria confunde
porque pressupõe que existam outros tipos de amigo. Parece que dá para contrair
amizade sem passar pela pessoa física. "O fulano é meu amigo espiritual.
Beltrano? Meu amigo jurídico."
O conceito, no entanto, faz
sentido. Nem todo amigo tem uma relação individual com você. Alguns amigos da
vida toda nunca ficaram no mano a mano. Todo o mundo tem amigos pessoais e tem
amigos coletivos. O fenômeno acontece quando relação não é direta,
intransferível, mas mediada por uma turma.
Atenção: o amigo coletivo difere
do colega ou do "conhecido", que curiosamente é como chamamos aquele
que não conhecemos muito bem. Difere mais ainda do semiconhecido, aquele que
conhecemos menos ainda. Existe uma hierarquia: o semiconhecido está abaixo do conhecido,
que vem logo abaixo do colega, que vem antes do amigo coletivo, que precede o
amigo pessoal.
Do conhecido você sabe o nome, do
amigo coletivo você sabe o signo, do amigo pessoal você conhece o funcionamento
do intestino. Você sabe o bairro onde o conhecido mora, do amigo coletivo você
sabe a rua —do amigo pessoal você sabe o prédio, o apartamento e a senha do
wifi— quando não sabe, adivinha.
Puristas da amizade dirão que
amigos não pessoais não podem ser chamados de amigos. Discordo. O amigo grupal
tem, sim, seu valor. Diverte, preenche, entretém. E o mais importante: é dele
que pode nascer, um belo dia, quando menos se espera, o amigo pessoal.
Basta chover um pouco mais. E
vocês ficarem ilhados no escritório. Ou basta um porre, uma viagem, um
acidente, um pneu furado. O que separa um amigo coletivo de um amigo pessoal,
muitas vezes, é um perrengue. Mas pode ser uma carona —de preferência daquelas
demoradas, na hora do rush. Se cair um temporal, melhor ainda. Entre um
silêncio e outro, você vai abrir uma chaga, e ele vai compartilhar uma memória,
você vai rebater com uma esperança, ele vai contar um segredo. Pronto. Ali, na
avenida Brasil alagada, sob o abrigo de um palio weekend, o amigo pessoal acaba
de nascer.
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